19agosto
Os ecos de A Alma Imoral estão aqui. Algumas palavras da peça me embalaram e provocaram imenso. Natureza, erro, marchar, futuro, vergonha, nudez, Deus, potencial, oferendas ao nada. Chegam assim, soltas.
O que senti foram perguntas: eu estou me traindo em algum aspecto da vida? Eu estou oferecendo genuína passagem aos erros, meus e de outros? Eu estou em contato com a minha alma imoral, desobedecendo o que desrespeita a vida vibrátil, em mim?
Uma curadoria de si passa pelos questionamentos, por sentir cada interrogação, desagarrando inclusive das respostas imediatas, deixando a pergunta primeiro passar pelo corpo, deixando que as sensações dancem por ali até se tornarem palavras e sentido, talvez. Até vir a ser.
O questionamento é necessário, é iniciação, é arranjo e desarranjo. Eu trabalho com isso. E, pessoalmente, eu prefiro a desarrumação de uma pergunta do que a vida monótona das certezas absolutas.
Deixar que a vida se transforme em gesso, em automatismo, em um consumo de tempo fatigado e acelerado, é perder a apreciação e o contato com o universo inteiro de possibilidades que estão adiante, e que pode apresentar um horizonte diferente no passado, no presente e no futuro, uma outra forma de ver. É a mudança que rege a vida, é a impermanência, o efêmero.
Mudar e retirar as vestes que não nos servem mais, pode ser um desmedido desafio. Disse Clarice Niskier, deixando sua voz ocupar todas as minhas esquinas, naquele teatro: “todo lugar em que o homem cresceu e se desenvolveu um dia se torna estreito. Nenhum lugar pode ser amplo para sempre. O ventre materno é o primeiro grande exemplo. Saber entregar-se às contrações do lugar estreito rumo ao lugar amplo é um processo assustador, avassalador e mágico.”
Dá medo? Certamente. Pode ter luto envolvido? Pode ter luto. Mas sinta: com quem o meu medo se sustenta? Para quem posso levar minha fragilidade, e sentir que estou em companhia? Com quem posso atravessar essa mudança necessária?
É “assustador, avassalador e mágico”. E você não precisa fazer isso sozinho(a)(e). Deixa a pergunta passar pelo corpo. Até vir a ser.
"Não tenho ensinamentos a transmitir. Tomo aquele que me ouve pela mão e o levo até a janela. Abro-a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo um diálogo." | Martin Buber