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08setembro

EU-ISSO na relação corporal

O intelecto é altamente valorizado em nossa sociedade. Inegável. O corpo, por outro lado, amplamente desconsiderado na tamanha inteligência e poder que tem. É, o corpo é soberano e transparece tal soberania, principalmente quando vivemos como se não fossemos um corpo-sujeito.

A partir do momento em que destinamos ao corpo o lugar de objeto, inserimos graus de desimportância, descartabilidade e sobrecargas neste corpo. Fazendo um diálogo com Martin Buber, que evoca a restauração do humano em nós, além da importância da relação presente com outro self, vejo que há um endereçamento do corpo para o mundo do EU-ISSO, nessa contemporaneidade que abraça o sistema capitalista neoliberal.

É o espaço-corpo do distanciamento, da ausência, da utilização, do meio para se chegar a um fim. E, assim, é que a “trituração” de si acontece, como já apontou José Carlos Rodrigues, no livro O Corpo na História. No contato com outros corpos, retiramos a presença, a disponibilidade, a beleza da naturalidade e a exploração ou descoberta lenta desse corpo outro, sejam nas conversas, na proximidade física, no sexo, nos encontros virtuais. O importante é a performance.

E não há qualidade também no contato com o próprio corpo. Mas se não cuidarmos do corpo que somos, quem vai? Se não cultivarmos antes e primeiro, as compreensões e pedagogias do acolhimento para com este corpo que somos, como vamos durar em relações com? Como vamos durar?

Voltando a Buber, o lugar do EU-TU, por sua vez, se refere à forma respeitosa e presente pela qual um indivíduo se relaciona com outro indivíduo. Aqui, tomo a ousadia de trazer essa noção do EU-TU para a relação pessoa-corpo. Acredito ser possível refletirmos nessa analogia. O quanto tem de EU-TU, presença, disponibilidade, encontro, diálogo entre você e você mesma/o/e, através desse corpo que é? O quanto predomina o EU-ISSO, a utilização, sobrecarga, submissão e objetificação nesse relacionamento entre você-corpo? Há fixação nesse ponto do caminho?

A depender da nossa localização, a passagem pela vida através desse corpo, pode ser muito mais desafiadora. O corpo pode se tornar peso, forasteiro, desconhecido, truncado.

Nos contando sobre muito, por meio de algumas dores, sintomas, paralisações. Acaba por mostrar a soberania que não foi vista antes, trazendo desde dentro a necessidade que não encontrou a porta de saída. O que dá pra fazer? Ainda é tempo. Enquanto houver vida, ainda é tempo de cuidar e ver com um olho-útero que quer que algo novo se desenvolva ali, dali.

Fotografia: Alexander Bartels – Impression

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"Não tenho ensinamentos a transmitir. Tomo aquele que me ouve pela mão e o levo até a janela. Abro-a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo um diálogo." | Martin Buber